Filho de pai galego, de tendências liberais e republicanas, e de mãe natural da Beira, José Claudino Rodrigues Miguéis nasceu a 9 de Dezembro de 1901 no bairro de Alfama, em Lisboa. Frequentou o Colégio Francês e os Liceus Camões e Gil Vicente. Licenciou-se em Direito, pela Universidade de Lisboa, em 1924, mas, apesar de aluno notável, não manifestou qualquer vocação para a carreira forense, antes se dedicando à actividade pedagógica e jornalística. Colaborou, assim, desde os anos vinte em vários jornais e revistas, designadamente em Alma Nova, República, O Sol, O Diabo, Diário Popular, Diário de Lisboa, Revista de Portugal, revista Ver e Crer e Seara Nova. Com Bento de Jesus Caraça dirigiu o jornal Globo, suspenso pela Censura em 1933. Fez parte do chamado Grupo da Seara Nova, ao lado de Câmara Reys, Jaime Cortesão, António Sérgio, José Gomes Ferreira, Irene Lisboa, Raúl Proença. Foi professor do ensino secundário e esteve envolvido com Câmara Reis e Raúl Brandão num projecto de Leituras Primárias que nunca seria aprovado pelo governo. As suas preocupações de ordem pedagógica concretizaram-se ainda na licenciatura em Ciências Pedagógicas, em 1933, pela Universidade de Bruxelas, para onde se deslocou, em 1929, como bolseiro da Junta de Educação Nacional. Sendo notório o seu comprometimento com a oposição à ditadura (e óbvia a sua simpatia pelo ideário comunista), foi impedido de continuar a leccionar em Portugal, o que o levou ao exílio nos Estados Unidos da América a partir de 1935. Aí manteve a colaboração na imprensa portuguesa, nunca se distanciando, assim, da realidade pátria, e trabalhou como tradutor e como redactor das Selecções do Reader’s Digest. Em 1942 adquiriu a cidadania americana, fixando-se definitivamente em Nova Iorque.
Reveladas no princípio da década de trinta, com Páscoa Feliz, prémio da Casa da Imprensa 1932, as obras de José Rodrigues Miguéis denotam uma atitude estética que tem muito dos pressupostos da geração da Presença (1927-40), que lhe foi contemporânea e que teorizava uma arte e uma literatura independentes de propósitos políticos e ideológicos, tendendo ao mesmo tempo a uma prática introspectiva a que não seria alheia a influência, à época, de autores como Dostoievsky e Raúl Brandão. Mas a sua sensibilidade e a sua vivência particular dos constrangimentos do regime não o deixariam indiferente ao empenhamento social inerente ao que por então se ia já desenhando como o embrião do movimento neo-realista. É nesse contexto só aparentemente contraditório que se desenvolve a obra de Miguéis, sendo ainda de sublinhar como sua peculiar característica a notação realista de ambientes e comportamentos ligados aos diversos lugares de exílio (Bruxelas e E.U.A.), ao passo que Portugal e em particular os espaços da sua infância e adolescência em Lisboa se configuram sobretudo como referências mais ou menos nostálgicas de um passado que a escrita glorifica:
Durante as revoluções [...] chegavam até aqui os ecos da fuzilaria, ribombos do canhoneio. A Avenida, transida mas alheia àqueles estrondos épicos, escutava: havia especialistas que reconheciam a voz do Adamastor, da Rotunda, do Alto do Duque [...] Pelas esquinas, à porta da tabacaria ou da farmácia, os grupos faziam-se e desfaziam-se, discutindo, rodeando ansiosamente alguém que chegava da Baixa, do tumulto e da vida. Anoitecia, e de repente a Avenida ficava deserta, abandonada aos lampiões e às patrulhas. Ouvia-se no escuro o silvo de uma bala perdida, como um arrepio numa seda. A Avenida ia para a cama, tranquila e distante, dormir, amar, sonhar talvez, confiada no dia seguinte, no amanhã. Havia Amanhã todos os dias, seu Apolinário! “Saudades para Dona Genciana”, in Léah e Outras Histórias.
Uma particular sensibilidade aos conflitos e absurdos da psicologia humana e um sentido muito subtil do imponderável no decurso das tensões íntimas e sociais conferem-lhe, por outro lado, características de suspense que tornam inconfundíveis as suas ficções e as suas narrativas autobiográficas, ou as suas ficções de cunho autobiográfico. De “realismo ético” falam António José Saraiva e Óscar Lopes (cf. História da Literatura Portuguesa) a propósito desta forma peculiar de Miguéis representar aquelas tensões sobre um fundo moral que seria certamente o mesmo que o moveu para a intervenção cívica e jornalística. Entre Lisboa, Bruxelas e os E.U.A, Léah e Outras Histórias, consagrado em 1959 com o Prémio Camilo Castelo Branco, é talvez o livro que melhor sintetiza o cruzamento daquelas várias tendências com um intimismo de atitude que lhe perfila a escrita no tom da melancolia.
O sentido da responsabilidade individual ganha nesse contexto um significado particular no conjunto das obras de Miguéis, sendo por outro lado de sublinhar também a dimensão que nelas tem a fisionomia da cidade de Lisboa e, nela, o quotidiano e os pequenos dramas de certa burguesia lisboeta dos primeiros anos da República.
José Rodrigues Miguéis morreu em Nova Iorque a 27 de Outubro de 1980.
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